Texto do Jonas Valente para o Observatório do Direito à Comunicação obrigatório para quem discute cultura.
boa leitura.
MinC apresenta proposta de revisão da Lei Rouanet
Após mais de cinco anos de debate, o Ministério da Cultura finalmente apresentou publicamente sua proposta da revisão da Lei Federal de Incentivo à Cultura (8.313/1991), mais conhecida como Lei Rouanet. O Projeto de Lei, que prevê a substituição desse instrumento por um Programa de Fomento e Incentivo à Cultura (Profic), foi divulgado nessa segunda-feira (23) em Brasília e colocado sob consulta pública no sítio do Ministério (www.cultura.gov.br) pelos próximos 45 dias.
O ministro Juca Ferreira admitiu no evento que houve uma demora para a conclusão do texto, mas argumentou que ela possibilitou uma articulação mais sólida em torno da proposta. “Assumo que houve atraso. Poderíamos ter feito no terceiro ano do primeiro governo Lula. Mas lucramos com a demora, pois ganhamos ambiente favorável ao debate”, justificou.
Como lembrado por Ferreira, desde a primeira gestão do governo Lula que a pasta, então comandada por Gilberto Gil, declara-se fortemente descontente com o atual modelo de financiamento da área. O principal problema, na avaliação do MinC, é a dinâmica que coloca os recursos públicos, pois advindos de impostos não arrecadados em razão da renúncia fiscal, sob controle privado, uma vez que as empresas são as definidoras dos projetos beneficiados.
Por conta da aposta de governos anteriores neste mecanismo, ele assumiu uma presença desproporcional em relação aos recursos investidos diretamente pelo governo federal. Enquanto o primeiro movimenta R$ 1,2 bilhão por ano, o Executivo injeta apenas R$ 280 milhões no setor. No entanto, isso não significa que a maior parte dos investimentos seja de origem privada. Segundo dados do Ministério, 90% dos recursos aplicados em projetos culturais são públicos e apenas 10% vêm de contrapartidas da iniciativa privada.
“Este modelo não é justo, não é política pública, pois a Lei não nos dá instrumentos para realizar uma política de fato para a Cultura. As empresas é que definem o que vai ser financiado. O que predomina é o critério privado, que é excludente”, analisou o ministro. Esta lógica, acrescentou, se mostrou concentradora do ponto de vista financeiro, regional e dos setores beneficiados. Atualmente, apenas 3% dos proponentes abocanham 50% dos recursos captados, sendo 80% deste total destinado aos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Enquanto isso, os 30 menores segmentos recebem apenas 14% das verbas incentivadas.
Segundo Juca Ferreira, esta política foi motivada por uma “hipocrisia contábil”, “pois o dinheiro não aparece no cálculo do superávit primário”, e pela ideologia de que o Estado deveria ter uma participação mínima na sociedade. “Esta idéia acabou. Não somos estatistas, mas temos responsabilidades que são incontornáveis e intransferíveis. Não há como democratizar a cultura com esta idéia ingênua de que o Estado tem que estar de fora”, defendeu.
Racionalização…
O diagnóstico duro em relação à Lei Rouanet não é acompanhado, no projeto do MinC, de uma ruptura ou mudança radical. É fato que o projeto organiza de fato um sistema de financiamento, fortalecendo o Fundo Nacional de Cultura e dividindo-o em seis fundos setoriais. Destes, cinco seriam criados – voltados às áreas de Artes; Cidadania, Identidade e Diversidade Cultural; Memória e Patrimônio Brasileiro; e Livro e Leitura -, um seria incorporado – o Fundo Setorial do Audiovisual – e um seria instituído para promover uma alocação equilibrada das verbas – Fundo Global de Equalização.
É fato também que a proposta racionaliza os mecanismos de parceria com a iniciativa privada, especialmente o da renúncia fiscal. O texto prevê a extinção dos percentuais fixos de 100% e de 30% para a renúncia, prevendo índices de 30%, 60%, 70%, 80%, 90% e 100%. Estes seriam definidos a partir de três critérios de avaliação: desenvolvimento de linguagem, contribuição para a economia da cultura e acessibilidade. Ou seja, a renúncia seria tanto maior quanto fosse o atendimento destes critérios, entendidos como contribuições necessárias ao desenvolvimento cultural do país.
Esta avaliação, segundo a proposta, será prerrogativa da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), que passaria a definir o montante e a forma de alocação dos recursos. A composição do órgão, com metade dos membros da sociedade e metade do poder público, foi um dos pontos destacados pelo ministro Juca Ferreira como um instrumento de democratização da gestão sobre os recursos do setor.
Por fim, o projeto também visa atingir o gargalo do consumo ao propor a criação de um Vale Cultura, com valor de face de R$ 50. Ele seria custeado de maneira compartilhada, sendo 30% pelo governo por meio de renúncia fiscal, 50% pelos empregadores e 20% pelos trabalhadores. A expectativa do MinC é beneficiar 12 milhões de pessoas com este instrumento.
..sem reequilíbrio
Mas o principal problema do modelo, a desproporção entre os recursos via renúncia, portanto geridos por entes privados, e aqueles oriundos do Orçamento do Estado, não é atacado de maneira mais radical no projeto. O reequilíbrio depende, ainda, das articulações que o Ministério da Cultura irá fazer para atrair fontes de recursos para a nova formatação do Fundo Nacional de Cultura. “Estamos buscando recursos ainda, de fato ainda temos pouca coisa garantida”, disse Juca Ferreira no evento de apresentação do texto.
Na proposta do Ministério, a única fonte de receitas nova é a Loteria Federal da Cultural, que seria criada por lei específica. Ferreira lembrou que o Fundo Setorial do Audiovisual já conta com um montante relevante de recursos e afirmou que estão avançadas as negociações para a reserva de verbas ao futuro fundo setorial da Leitura e do Livro.
No entanto, Ferreira admitiu que a fonte central é vinculação dos recursos da União ao setor, prevista na Proposta de Emenda Constitucional 150 em tramitação no Congresso. Ela propõe que a área receba, obrigatoriamente 2% do Orçamento Geral da União (OGU), 1,5% do orçamento dos estados e 1% do orçamento dos municípios. “Nosso sonho é garantir 2%, mas precisamos de, no mínimo, 1% do OGU”, afirmou.
Caminho tortuoso
O projeto já terá sua primeira prova de fogo na consulta pública. Embora o largo tempo de preparação tenha possibilitado à equipe do MinC angariar apoios, ainda há resistências no meio cultural. Mas os maiores obstáculos deve vir da grande mídia comercial e dos partidos de oposição no Congresso Nacional, que desde a proposta de criação de uma Agência Nacional de Cinema e Audiovisual (Ancinav), apresentada pelo Ministério em 2004, atacam qualquer iniciativa de melhoria da presença do Estado no setor, utilizando a acusação indiscriminada de “dirigismo cultural”.
Soma-se a isso o escasso tempo até o fim desta segunda gestão do governo Lula. O ano de 2010, em razão das eleições presidenciais e estaduais, será mais curto para o Legislativo e deverá ser tomado pelo acirramento da disputa partidária, o que pode dificultar acordos no parlamento. “Teremos oposição ao projeto, a proximidade com 2010 vai atrapalhar um pouco”, comentou Juca Ferreira. Mas o ministro acredita que será possível aprovar a criação do Profic. “Trabalharemos até o último dia do governo para que a proposta seja transformada em Lei”, disse.
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